Usuário:Feen/O Que é Conhecimento Livre

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Este é um artigo explicativo sobre o Conhecimento Livre que toma uma postura crítica em relação à cultura de permissão. Serve de base para uma palestra homônima apresentada pela primeira vez no FLISOL 2012 de Curitiba. Os eslaides estão disponíveis aqui. Se quiser um PDF com maior qualidade ou o arquivo ODP editável, peça-me e lhe mando prontamente.

Introdução[editar]

A cultura livre é o oposto do que nós chamamos de cultura de permissão: a prática comum na maioria das indústrias conteudísticas da atualidade de, até ser dada a permissão por escrito, restringir em muito os direitos de quem uma obra atinge. Impedi-los de reproduzir, de copiar, de executar, de estudar e modificar. Estes direitos são vedados através da lei, da justiça, de sistemas automatizados, de proteções dos próprios sistemas. Os direitos autorais como são exercidos hoje tornaram-se ferramentas para impedir que qualquer um copie, reproduza, execute, transmita ou estude a informação que recebe. Acreditamos que isso não é benéfico. Principalmente quando se trata de conhecimento. Crescemos com a noção de que a violação do direito autoral é errada, de que é através dele que o autor de algo é remunerado, com a ideia de que para alterar ou distribuir algo precisamos de permissão, mas ao mesmo tempo parecemos contrariar esta noção ao, diariamente, reproduzirmos e modificarmos todo tipo de cultura que nos atinge. Anotar e emprestar um livro é difundir conhecimento derivativo. Isto é um exemplo simples que está coberto pela lei, não é crime, mas demonstra como nós lidamos com o conhecimento e nos permite levar o entendimento a outros níveis. Ao pensar no professor, por exemplo, vemos logo como é restrita a sua capacidade de agir sobre o conteúdo do qual dispõe. A educação é um campo onde o conhecimento livre floresceria e se veria confortável como em nenhum outro lugar, mas o professor é privado da sua liberdade com o material disponível para si.

Assim como há licenças para o software livre, há licenças abrangentes para mídias diversas, como texto, vídeo e áudio. A Wikipédia é um repositório de informação e todo o texto presente nela está licenciado nestes termos permissivos que permitem que qualquer pessoa estude, modifique, compartilhe e leia o que está sendo disponibilizado. Sem pagar nada. Esse conhecimento é, portanto, conhecimento livre. Nessa breve palestra irei dizer por que isso é tão importante, por que o conhecimento precisa e quer ser livre, por que isto é tão crucial para a Educação e por que o conhecimento livre resulta em um conhecimento melhor, transparente e imparcial, principalmente se construído num modelo colaborativo.

Definindo conhecimento livre[editar]

Conhecimento ou informação são ambos termos que definem o que a Wikipédia quer agregar. A Fundação Wikimedia não auxilia só um projeto: textos, livros, material educacional, imagens, definições... toda sorte de informação e de conhecimento pode ser libertada dentro de termos que permitam a livre circulação, modificação e aproveitamento daquilo. Nosso estandarte atual, e nos últimos anos, tem sido a Wikipédia. De fato, é o projeto que mais atrai atenção justamente porque agrega a maior parte do conhecimento. Quem são as pessoas ao norte, quantos habitantes lá existem; quem é este ator, quantos anos ele tem. Isto é conhecimento: é a análise da informação disponível. A diferença fundamental é que nós não queremos juntar todo o conhecimento em uma caixa fechada e numerada para lhe vender cópias de algo que já terminamos, cobrar licenciamento ou processá-lo por utilizar isto na sua biblioteca, página da Internet ou escola. Nós queremos mais é que você use até onde for possível. Isto é conhecimento livre. É a liberdade fundamental de disseminar e executar o saber humano. Essa liberdade de acessar algo e de distribuí-lo sem restrições é algo de importância tão grande porque todo conhecimento tem um propósito.

O que o conhecimento quer[editar]

Se olharmos de uma perspectiva funcional, a informação não faz sentido como algo estático à espera de pagamento. Não é de fato a sua função. Posto que algo existe e foi analisado, o conhecimento a seu respeito não pode ser retido: precisa ser disseminado a quem quer que interesse! O único propósito que, atualmente, a retenção de informação serve é o interesse econômico de editoras que muitas vezes sequer tiveram participação na obtenção daqueles dados. Entendendo que a obtenção de conhecimento possui seus custos e de que algo precisa cobri-los, pagar alguém para agregar e desenvolver conhecimento e monetizar este saber com a venda dele é justo, mas até que ponto? E como devemos pagar? Em 2010 o governo federal pagou mais de 880 milhões de reais em material escolar protegido por direito autoral[1]. Quem pagou por este conhecimento fechado e que precisa ser comprado novamente todos os anos em sua íntegra? Nós pagamos. Você pagou. Nós pagamos todos os dias quando trabalhamos, quando compramos balas e chicletes, quando andamos nas ruas de carro ou a pé. Não se trata de ser necessário cobrar pelo conhecimento à pessoa que o recebe porque, no fim das contas, nós já pagamos dinheiro suficiente para ter não só conhecimento livre como toda sorte de serviço decente. É exatamente por isto, porque há faces de corrupção, monetização e ganância que o processo de obtenção do conhecimento pode cruzar desnecessariamente uma linha perigosa: a do custeio tornar-se negócio. É aqui que os direitos começam a desaparecer.

A sociedade não tem a sensação de que assistir um filme pirateado é errado. Ela vê o preço, não enxerga valor em comprar aquilo, não enxerga valor em ter aquele objeto e não o compra. Frente a uma alternativa mais barata e efêmera, opta por ela. Pela lei de direito autoral atual, comete um crime. Mas o juiz, o policial, o estudante e o diretor fazem isso. O que está acontecendo então? É deste paradigma que abstrai-se a interessante ideia de que a cultura quer ser livre. Que trata-se não tanto da atividade, da lei e muito menos do dinheiro e começa a se pensar no verdadeiro propósito do conhecimento e de como ele pode atingir isto perfeitamente. O conhecimento nasce livre: ele nasce da colaboração e da alteração de tudo, da derivação do que sabíamos antes para o que sabemos agora, elaboramos sobre os fatos e desenvolvemos conhecimento novo, discutimos e derivamos um do outro, modificamos o conhecimento e chegamos a uma conclusão: fechamos a edição de algo e estampamos nele um carimbo de "todos os direitos reservados". A partir daqui, o que está escrito é nosso, não deve ser copiado, alterado ou derivado por ninguém.

A Wikipédia foi notada por começar a cobrir um evento recente muito rapidamente, mantendo-se atualizada praticamente na mesma velocidade que os veículos de comunicação em massa divulgavam informações. No fim das contas, qualquer evento recente de importância global possui um artigo extensivo explicando o que está se passando e novas informações são adicionadas colaborativamente e corrigidas a todo momento. A diferença? Tudo aquilo que está sendo redigido na Wikipédia e referenciado com as fontes jornalísticas, os relatos, as novas informações, está se tornando conhecimento livre. Simplesmente porque é informação: ela disseminou-se, foi compilada e está pronta para ser consultada por quem quer se interesse e queira reproduzir. Não é este o caso com nenhuma das fontes, ou pouquíssimas delas: as restrições impostas jamais permitiriam que um professor de Atualidades, por exemplo, imprimisse e levasse aos alunos a notícia integral em sua cobertura mais extensa. Mesmo que a escola fosse pública, os alunos carentes e o docente mal pago. Ainda assim, é provável que o professor leve a notícia na íntegra aos seus alunos e leia e distribua cópias a todos eles. Não há sensação de culpa ou de que algo errado está sendo feito: o conhecimento está manifestando-se; o conhecimento quer ser livre.

Conhecimento livre na Educação[editar]

Diante disto é que começamos a entender por que é tão importante que os materiais de estudo, seja de apoio ou mesmo a fundação do material curricular (apostilas, livros, anexos, fotografias...) sejam licenciados de maneira que permita-se a liberdade do aluno com o material. Na cultura da permissão em que vivemos, entende-se que o aluno não pode, mas faz; ou que tudo bem porque é para tal coisa. Precisamos nos libertar desta sensação de que está tudo bem e entender que isto é ótimo: um professor não deveria pensar duas vezes para dizer que pode sim enviar a música trabalhada em sala de aula para todos pelo seu email da escola; um professor não deveria ter medo de colocar vídeos do YouTube em suas atividades virtuais; um aluno não deveria ter medo de postar na lista de emails do curso onde os colegas podem baixar o livro que está em falta na biblioteca. Estas permissões não são garantidas pela lei, não são garantidas pelos detentores dos direitos autorais. Então por quem podem ser garantidas? O aluno é então um criminoso e deveria ser enquadrado por pirataria porque está compartilhando escaneamentos de textos de um autor morto há cinquenta anos porque isto é supostamente injusto? Injusto com quem? Iniciativas como o Recursos Educacionais Abertos (REA), a própria Fundação Wikimedia e seus diversos projetos, os softwares livres e companhias e fundações que os administram, a Creative Commons e sua filial brasileira são todos corpos engajados na preocupação com um licenciamento consciente da cultura. E alimentar uma cultura livre é o primeiro passo para ver a cultura tornar-se livre. Munido de uma enciclopédia Barsa, um professor faz trinta cópias de uma página e as modifica com suas anotações, uma nova diagramação e o cabeçalho da escola. Ele distribui para seus alunos, que anotam e rabiscam sobre o que ele lhes entregou. Em seguida, tudo é coletado e enviado pelo professor para o sistema interno da instituição de ensino da faculdade. Uma série de restrições impostas pelos direitos autorais foram violadas neste processo, mesmo que o propósito do professor tenha sido de educar eficientemente os seus alunos.

A pergunta fundamental deixa de ser se isto deve ser crime ou não e passa a ser: quem perdeu dinheiro?

Privar uma pessoa de direitos devido ao interesse econômico ganancioso de que a escola compraria 30 enciclopédias, uma para cada aluno ou de que o professor deve comprar um CD para cada aluno e dar a cada um deles um dispositivo para ouvir ou de que precisaria comprar para cada aluno um DVD para que visse o filme é um delírio. Isto reflete-se na nossa sociedade: despreocupados com a lei, professores e alunos usam músicas, filmes e todo tipo de material protegido por direitos autorais para fins educacionais simplesmente porque não entendem aquilo como algo errado. A lei não pretende proteger seus interesses pedagógicos e restringe sua habilidade de usar a cultura como ferramenta educacional. Por que será que os alunos e professores não estão preocupados com sua "atividade criminosa"? Será falta de fiscalização, indiferença moral ou desrespeito com a lei?

Livre: Velocidade e precisão[editar]

Todo processo editorial é uma parcialidade. Ao longo do tempo houve a preocupação com isso devido à influência causada pela limitação dos envolvidos no processo de conduzir o conhecimento a tornar-se algo, de verificar os fatos e determinar quais fontes são válidas e quais não. Hoje estamos diante de um expoente gigantesco de conhecimento agregado, a Wikipédia, construído através da colaboração. A capacidade de uma pessoa de criar uma conta e editar e enciclopédia é sua maior fonte de crítica e a também de seu maior número de elogios. Tanto o martírio quanto o mérito da Wikipédia residem sobre esta característica singular. Jamais teria-se alcançado tamanha abrangência sem isto e jamais teria obtido tantas críticas na ausência dessa falta de preocupação seletiva dos recursos humanos no seu corpo de voluntários. Isto justifica-se porque o processo colaborativo, ao vivo e não-simultâneo permite a revisão eterna das informações. Mesmo que uma pessoa desqualificada para editar algo cometa um erro, dada noção de que não importa a edição em que estamos ou quem está trabalhando, qualquer um poderia trabalhar para arrumar aquilo a qualquer momento.

Claro, isso significa que perdemos em credibilidade em todo o processo porque trabalhamos ao vivo neste modelo colaborativo. A versão imatura de algo já está disponível para consulta. Apesar da desvantagem disto ser justamente a exposição de algo cru, é justamente a grande força motora que empurra os erros para fora do artigo. É a exposição, o convite a quem sabe que está errado arrumar. Ao ver o que alcançamos com artigos destacados tanto em língua inglesa, onde encontramos a versão mais abrangente da enciclopédia, quanto em português, podemos entender como é possível chegar a excelentes artigos que dificilmente serão vandalizados e regredirão em qualidade porque o trabalho foi feito e já há mil olhos sobre aquilo.

Por isso, a ideia de que uma fonte de conhecimento livre feita colaborativamente ser automaticamente prejudicada e errada (como a Wikipédia) desmerece sua capacidade de ser muito mais precisa do que qualquer processo fechado. Jornais e enciclopédias também cometem erros, mas tendemos a atribuir-lhes uma áurea sacrossanta de algo totalmente correto simplesmente porque estão sustentados pelos nomes de instituições jornalísticas ou editoras de material enciclopédico. Um erro encontrado na Enciclopédia Britânica, na Barsa ou nas edições impressas da Gazeta do Povo ou do Estado de S. Paulo será tratado no máximo com uma errata. Em um processo colaborativo, aberto e disponibilizado ainda incompleto, os erros somem imediatamente após serem encontrados por alguém com conhecimento mínimo de como modificar aquilo. Um erro encontrado no saite da Folha de S. Paulo precisa passar por um processo de notificação, correção e...

Livre: igualdade e imparcialidade[editar]

Ideologia. O conhecimento livre permite a diversidade de ideias e fomenta a citação de múltiplas perspectivas sobre os assuntos, principalmente quando são polêmicos. Na Wikipédia, principalmente em sua versão em inglês, é muito frequente que qualquer assunto onde exista divergências permita a entrada de pontos de vista diversos e contrários. Embora isto não seja novidade na produção de conhecimento e na documentação a respeito de algo, a entrada de qualquer visão relevante em um mesmo artigo, sem filtro de quem pode trazê-la mas somente de sua importância e veracidade é oposição direta à parcialidade presente nos meios que adotam processos editoriais. Não há editores-chefes, revisores, presidentes, donos ou interesses econômicos no conhecimento livre porque ele não pertence a ninguém. Não está restrito a um só local ou a uma só revisão. Ele não só entrega a capacidade de produção de conhecimento a muito mais pessoas, independente de suas posições políticas – reduzindo a censura – como também é, por natureza, propenso a tornar-se imparcial.

Mesmo que um processo colaborativo não seja aplicado na produção deste conhecimento licenciado livremente, a capacidade de competição e elaboração sobre ele automaticamente permite que seja melhorado e disponibilizado lado a lado.

Suponha que estamos falando de apostilas para alunos de escolas fundamentais. Entregamos a eles material libertado numa licença livre. Mesmo que ele tenha sido produzido por uma equipe fechada, em processo editorial normal, o professor que recebe este material está livre para buscar junto a esta equipe os arquivos editáveis e modificá-los. Ele está livre para imprimi-los pessoalmente, com recursos da escola, ao invés de recebê-los da equipe editorial.

Mesmo ao recebê-los da mão da equipe editorial, pode copiá-los, disponibilizá-los para os alunos através da Internet, fazer ilimitadas cópias de ilimitados tamanhos para seus alunos. Essa entrega de direitos parece óbvia e totalmente benéfica. Cabe até perguntar: por que não fazemos assim?

Conclusão: porque a liberdade importa[editar]

É por isto que a liberdade importa. Porque o conhecimento já é por natureza algo que está modificando-se todo o tempo. Já é, por natureza, produto de mais de uma pessoa. O conhecimento sozinho distribui-se como se tivesse vida própria. Ele passa de uma pessoa para a outra. Toda a cultura distribui-se assim também: a música, a pintura, a arquitetura. Toda experiência cultural é reproduzida, copiada e modificada pelos seus receptores simplesmente porque nós seres humanos sentimos vontade de cantar o que nós gostamos de ouvir, de fotografar o que gostamos de ver e de ensinar o que gostamos de aprender. Colocar um preço e restrições em nossa capacidade e vontade natural de disseminar a cultura é nos privar do direito a aprender e ensinar. É nos privar do direito de sermos seres culturais que interagem com o meio. É nos privar de parte do pensamento. É nos privar de nossa própria cultura e de nós mesmos.

Referências

  1. Redação (3 de setembro de 2010). FNDE gasta R$ 880 milhões com didáticos. Didáticos. publishnews.com.br. Página visitada em 27 de abril de 2012.